terça-feira, novembro 20, 2007

O Porão


Esperando no escuro com a companhia dos especímenes mais repugnantes, vejo as paredes oscilar na minha direcção parecendo que se abaterão sobre mim a qualquer instante, para depois recuarem num contratempo lento e monocórdico que me enjoa e entorpece os membros.
Vozes lá em cima na proa. Ecos dos pés descalços. Ordens gritadas acima do som das ondas que colidem com o velho navio que já navegou os sete mares. Trinta graus a estibordo!!!
O som do vento nas velas soa ao sacudir dos lençóis à janela quando era criança… Quando tudo era simples e belo… A felicidade era e seria sempre, sempre minha…
A lembrança evapora-se com o som de algo que sacode violentamente a embarcação.
Sou projectada duma ponta do porão à outra. Caem-me em cima os barris de água doce e os sacos de farinha rompem deixando-me fantasmagoricamente branca … Agoiros do que está para vir…
Levanto-me desamparada, agarrando o ar aos trambolhões… Sinto os pés molhados… A bicheza começa a sair dos seus esconderijos num pânico desenfreado…
Olho para a porta no topo… Está num ângulo estranho… Não está direita… A sombra parece oblíqua… Gritos de dor… Gritos de Horror… Homens à água!!!! Alguém caiu à água. Ajudem os que caíram à água!!!!
Espera… A porta está torta. A água está-me agora pelos joelhos…
Vamos afundar!!! Estamos a afundar!!!!
O grito cria-se no fundo da garganta mas não sai… Nunca souberam que cá estava… Não me irão ouvir…
10 anos volvidos, todos cá entraram e nunca ninguém me viu, embora nunca me tenha escondido…

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