quarta-feira, dezembro 12, 2007

Asfixia


Procuro livrar-me de todo o entulho que me cobre. Ouço a confusão que se instalou pelos passos acelerados sobre as tábuas velhas e carcomidas pela idade e maresia. Gritos! Sempre os gritos! Água pela cintura. Os animais da noite debatem-se numa luta ancestral para não ser engolidos pelo líquido mortífero…
Subo as escadas de quatro. A roupa pesa-me sobre o corpo encharcada que está. Desequilibro-me mas agarro-me aos degraus com a pouca força que me resta e elevo-me até às portas. Empurro! Grito! Espeto os dedos pelas aberturas criadas pela torção da madeira na ânsia que alguém os veja e me tire da minha reclusão.
O barco empina de repente, caio no vazio, no negrume e, com um estrondo, bato com as costas no rebordo interior da proa. Ondas de dor injectam-se pelo meu corpo e tudo escurece.
Acordo num sufoco. Tusso. Tento expelir o líquido que afoga os meus pulmões. Tusso… Tusso. Tusso! Água pelo pescoço. Tento debater-me mas o meu corpo não reage. Corpo? Cadáver! Já não existe. Invólucro vazio. Duas prisões! Fado sádico que me desperta para a morte!
Já a bicheza bóia. Companheiros de viagem cujos olhos via na escuridão. Animais nocturnos que me acompanhavam no silêncio…
Sobe… Tapa-me a boca… Inspiro. Sinto a água gelada a entrar-me pelo nariz…
Não importa. Ninguém me penará. Não farei falta a quem nunca me conheceu.
Fecho os olhos. Espero pelo abraço quente do meu eterno amante. Ceifador vem… Tardaste…
Gentilmente agora… Vamos os dois… Leva-me deste sítio… Liberta-me do porão.
Finalmente, contigo, descansarei em paz…

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