segunda-feira, janeiro 14, 2008

Hefesto

Tinha um riso estrondoso. Sentada no seu colo sacudia-me com as suas gargalhadas sentidas perante a minha ingenuidade infantil. Não era gozo. Antes uma cumplicidade silenciosa dum gigante que molda uma mente jovem. As mãos… Rudes mas habilidosas. Assustadoras mas capazes dos gestos mais carinhosos. Ganhava o respeito pelo sentido de humor apurado e inteligente, pela humanidade e por mentalmente se encontrar muito para além dos do seu tempo.
O sorriso malandro e canto da boca retorcido. A sua voz grave contrastava com a sua fragilidade.
Nasceu para nos tornar pessoas melhores e cravar a sua existência na nossa memória. Errou, como humano que era. Contudo, deixou como legado muito mais sorrisos que lágrimas. Ainda hoje, passada uma década do seu desaparecimento, em tertúlia feminina nos rimos das reminiscências conjuntas. Caso cá estivesse seria ele a fazer-nos rir…
A doença roubou-lhe capacidades mas jamais a dignidade! Quantos podem afirmar de coração cheio que fariam tudo da mesma forma?
Em pequeno calcorreava as ruas de Lisboa arquitectando formas de minorar a pobreza que assolava a família. Irrequieto e inventivo ensaiava brincadeiras de menino travesso que nos contava com o cabelo já grisalho de sorriso nos lábios e um brilho de saudosismo nos olhos.
Em tenra idade aprendeu o ofício que aprimorou ao longo da vida. Hefesto dos tempos modernos, partilhava com o deus grego a arte de moldar o metal e o coxeio que, no seu caso, foi resultado final dum azar do destino.
Atleta dotado excedeu-se em todos os desportos que praticou como em tudo a que se dedicava, verdadeiramente, na vida.
Sedento de conhecimento era, aos meus olhos, um sábio com a paciência de simplificar as premissas de forma a fazer-me entender o busílis da questão.
Teimoso e, por vezes, intransigente irritou sobejamente os filhos com a sua mentalidade “antiquada”. Agora que os filhos se tornaram pais, dependem muitas vezes desse seu exemplo para nos fazerem ver que aquilo que o avô dizia há 30 anos é válido ainda hoje. Os tempos mudam mas o querer sempre o melhor para os filhos é hereditário e intemporal…
Tinha, realmente, um riso estrondoso.

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