domingo, junho 29, 2008

Interregno

Faço aqui um intervalo no meu retiro para desabafar uma constatação que fiz hoje e que me deixou pensativa e um pouco mais triste.
Existe uma praça com esplanadas na cidade onde vivo onde gosto de me sentar e beber um café com amigos aos fim-de-semana. Especialmente nestes dias, fervilha com actividade…
As pessoas que enchem as mesas, as crianças que brincam, os animais de estimação que aproveitam a liberdade para correr e deliciarem-se com as festas de estranhos…
Além disso existem, claro está, os pombos… Já referi noutras ocasiões adorar animais e ser uma feroz defensora dos mesmos. Mesmo dos chamados “ratos com asas”.
Bem sei que os pombos estão longe de serem pássaros limpos, que são transmissores de doenças, que sujam o património e, muitas vezes, os transeuntes (por mim falo!) mas este gostinho de andar à “biqueirada” e “sapatada” aos ditos tem de acabar!
É ver os meninos, desde os seus 3 anos até aos 12, numa caçada incansável atrás dos pobres bichos para felicidade e orgulho dos seus pais que riem com satisfação!!!
É impressão minha ou o mundo ficou “mais mau”? Não, não me enganei. É mesmo “mais mau” e não pior…
As pessoas estão cada vez mais más! Vis! Baixas! Reles!
Hoje, particularmente, estava a contemplar um miúdo, duns 8 anos, numa concentração maquiavélica a seguir os pombos, pé ante pé, com a esperança de apanhar algum desprevenido para o “presentear” com um belo pontapé! Esteve naquilo uns 20 minutos… Até comentei com o meu amigo que se fosse para fazer alguma coisa de bom não se concentrava tanto tempo! Pior que a acção do petiz foi a reacção dos pais. Este “casal de bem” contemplava o seu rebento com uma cara enternecida e extasiados de júbilo pela bonita acção praticada pela sua “semente”.
A criança falhou nos seus intentos, e ainda bem, sentando-se frustrada na mesa com os pais. Nesta altura respirei fundo e pensei que, talvez, os pombos tivessem descanso. Qual não é o meu espanto quando o pai da criaturazinha se baixa na cadeira e dá uma violenta chapada com as costas da mão num pobre pombo que passava ao lado da mesa. Fiquei estarrecida e boquiaberta a olhar para o Sr. Este olhou para mim com uma cara de gozo e altivez.
Com pena minha, não me controlei e disse ao meu amigo, alto e bom som, para irmos embora porque não gostava de estar sentada perto de bestas!
A minha teoria inicial estava correcta!
Quando olhei para a criança pensei, no gozo, que se tratava do “filho do Demo”. E não é que acertei?!

7 comentários:

Marta Vinhais disse...

O mundo está sem rumo...a conclusão a que chego...
Com graves problemas - a falta de respeito e valores....essenciais para o desenvolvimento..
Bem escrito o texto...
Passa por lá...
Beijos e abraços
Marta

Raul Martins disse...

No comment...
E obrigado por teres interrompido por momentos o teu retiro. Gostava que fosse por um motivo mais interessante.
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Carpe diem!

Raul Martins disse...

Esqueci-me... e não é todos os dias que se encontra o "demo" e o "filho" juntos...

renard disse...

Querida Marta:

É nestes pequenos gestos que se vê onde o futuro nos leva...
Quando os pais não ensinam os filhos a respeitarem todos os seres vivos por igual e falham em deixar-lhes como legado que o mundo tem espaço para nos acolher a todos, o que invariavelmente irá acontecer é o desrespeito por tudo e todos.


Beijos e obrigada pelo chá

renard disse...

Raul:

Não sei se conhece o Fragmento 70 do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa.
Nesse excerto o autor fala dos sentimentos que dele exalam ao ver as costas dum homem, presumo, da classe operária.
A partir dessa constatação, Pessoa faz um paralelismo com a fragilidade duma pessoa que dorme. Como uma criança, ficamos indefesos quando dormimos.

Assim vejo eu os animais. Indefesos e sem terem capacidade de contestarem quando mal lhes é feito propositadamente.

Longe de mim querer comparar-me a Pessoa, mas da mesma forma que num simples contorno criado pelas costas dum homem ele vê a fragilidade humana, eu vejo na maldade gratuita contra seres muito mais pequenos e indefesos que nós, a primazia da maldade humana.

Se o assunto lhe parece desinteressante, está no seu direito. Mas a mim pareceu-me pertinente e necessário fazer o desabafo.

Saudações tribais

Raul Martins disse...

Olá Renard,
Em força e eu fico feliz.
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Não conhecia, pelo menos não tenho consciência de ter lido, o framento 70 de Pessoa de que falas. Vou procurá-lo porque acho interessante a reflexão que fazes a partir dele.
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E desculpa por ter sido infeliz no termo que utilizei. Não quis dizer que o que partilhaste era desinteressante... o que me despertou para a leitura do teu poste foi ter percebido que voltaste a escrever e fiquei curioso no motivo. Talvez esperasse uma outra coisa qualquer que não sei bem o quê e por isso escrevi o que escrevi.
Mas acho importante a intenção e o alertar, desta forma, para as barbaridades que por vezes cometemos para com os animais que temos obrigação de proteger.
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O texto está bem escrito e interessante. E vou guardá-lo no meu baú. É já a preparação do próximo ano lectivo.
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Um abraço tribal

renard disse...

Raul:

Nada de pedir desculpas! Não há necessidade disso.
Tenho algo "preso" para escrever mas ainda não o consegui fazer. Sinto que ainda não estou preparada. É como ter um grito preso na garganta!
Mas com o tempo chegarei lá.

Um beijinho tribal