quinta-feira, janeiro 17, 2008

‘Tá a apetecer-me

Ao ler a frase no ecrã ri-se levando-a para um contexto que não foi o planeado. Ela ri-se do lado de cá pensando no despropósito da brincadeira.
Prerrogativa das novas tecnologias. Tornaram-se amigos pela Internet há já alguns anos e ainda é o suporte que usam para comunicar. Estando ele um pouco por todo o país e ela em Leiria, cimentou-se uma amizade que de virtual só tem o método comunicativo.
Instrumento antagónico. Provoca o isolamento a muitas crianças e adolescentes que não socializam no mundo real, mas a ela concede-lhe companhia nas noites que Morfeu se esquece dela…
A distância física é minimizada pelo despudor inerente à falta de contacto visual. Conversas casuais que em dois segundos passam a pessoais por não haver embaraço ou o mal-estar físico de ser observado. Não existe a sensação que cada gesto, cada esgar e cada palavra são escrutinados e julgados pelo interlocutor.
Se ao menos fosse o caso in loco. Quantas vezes calou pensamentos e suprimiu gritos por medo de represálias do ouvinte? Simulacro de estado de espírito. Sorriso quando lhe apetece chorar…
É igualmente verdade que com a vivência se aprendem truques de ilusionista que ajudam a dissimular os verdadeiros sentimentos. Ter um objecto nas mãos que se vai analisando pormenorizadamente enquanto se tenta encontrar as palavras certas para responder àquela questão que nos deixa desarmados. O “olhar o infinito” quando o silêncio começa a ser pesado e não se consegue olhar o outro de frente. Ansiosamente mexer no cabelo, concertar a gola da camisa, coçar os olhos… Infinitas escolhas para a necessidade de dizer algo e não saber bem como frasear…
Ritual da era da informação, sobe as escadas até ao escritório e liga simultaneamente o aquecedor e o computador. É de madrugada. Já a cidade dorme preparando-se para mais um dia de trabalho dali a escassas horas.
Ela não. Tem tempo… Liga o Messenger e espera que algum amigo interessante se encontre, também, com insónias. Este mal comprometedor do descanso que a acompanha há já 10 anos nem sempre foi tão fácil de ultrapassar. Recorda-se dos tempos de faculdade em que passava noites em branco a ver televendas e a chorar convulsivamente por odiar o silêncio à sua volta. Pelo letargia que via na cidade ao olhar pela janela. Torpor que a ela não lhe era concedido. A vontade que tinha de sair de casa e simplesmente deambular pela cidade. Chegou a fazê-lo. O sol a nascer e ela a abandonar o quente do lar. Mal subia a avenida onde ficava situada o prédio onde vivia, voltava para trás. De que serve tentar combater a solidão numa cidade adormecida? Fugir aos espectros numa cidade assombrada?
O sono, privilégio sub-apreciado, esse só lhe surgia já ao final da manhã tornando-a uma animal noctívago quase vampiresco durante 3 anos da sua vida.
O seu relógio circadiano começa a inverter novamente. Benesse da sua doença antiga só agora nomeada. Sabe que se não acertar os ponteiros atempadamente, com o passar do tempo, o relógio pode ficar danificado eternamente…
Bem, estas conversas virtuais madrugadoras sempre são divertidas, pensa. E, assim como assim, ‘tá-me a apetecer, remata.

1 comentário:

Claudiodelete disse...

ora este poderá ser um dos textos da publicação sem dúvidas :-))) até porque fala de coisas realmente importantes e chega a ser pedagógico :-) bjs